Com ares de espetáculo e densidade histórica, Pecadores, que estreia nesta quinta-feira (17), é o tipo de filme que comprova: o terror popular ainda pode ser ousado, artístico e cheio de substância. Escrito e dirigido por Ryan Coogler — de Creed: Nascido para Lutar (2015) e Pantera Negra (2018) —, o longa mergulha na América profunda dos anos 1930 para contar uma história de gêmeos criminosos, pactos demoníacos e resistência cultural — tudo embalado por dentes afiados e um coração que pulsa no ritmo do blues.
Ambientado em Clarksdale, Mississippi, ao longo de um único dia e noite de 1932, o longa acompanha os irmãos Smoke e Stack Smokestack, interpretados com precisão e magnetismo por Michael B. Jordan. Eles voltam à cidade natal trazendo memórias de guerra, crimes cometidos em Chicago e um plano ousado: abrir uma juke-bar que funcione como espaço de celebração e redenção. Esse retorno marca o reencontro com fantasmas do ado e com um presente onde sobreviver exige tanto coragem quanto astúcia.
Coogler constrói esse microcosmo sulista com impressionante atenção aos detalhes. Sua direção não só dá vida à geografia física do local — os campos, as casas de madeira, o calor que escorre pelas paredes — como também ativa uma geografia emocional espessa, onde feridas raciais, memórias familiares e pulsões criativas se entrelaçam. O Mississippi captado por Autumn Durald Arkapaw ganha tons ora crepusculares, ora flamejantes, reforçando a tensão constante entre o real e o fantástico.

Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
É justamente o realismo que sustenta boa parte da força do filme. Durante quase uma hora, a narrativa se desenvolve como um drama de retorno e recomeço, com cenas de peixadas, ensaios musicais e reencontros com amores mal resolvidos. A violência está ali, mas contida — e é essa contenção que torna o surgimento dos elementos sobrenaturais ainda mais impactante. Quando os vampiros enfim entram em cena, não é só o sangue que escorre, mas também a metáfora da colonização e da dominação branca que atravessa gerações. Aqui, Pecadores revela também suas influências estilísticas, especialmente em produções como Um Drink no Inferno (1996) e Prova Final (1998), de Robert Rodriguez, onde o cotidiano se rompe repentinamente com o fantástico, e o terror encontra terreno fértil na cultura pop.
Os vilões de dentes afiados não vêm apenas para morder pescoços: vêm para silenciar vozes, sufocar ritmos, apagar histórias. Nesse sentido, Pecadores reinventa o vampiro como figura da opressão sistêmica. A música vira arma de defesa; o juke-bar, um santuário. Os acordes do blues, canalizados com força quase mística por Sammie Moore – Pastorzinho (estreia poderosa de Miles Caton), se transformam em puro ato de resistência. E a presença de Delroy Lindo como Delta Slim oferece um contrapeso magnético entre sarcasmo e sabedoria ancestral.

Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
A metáfora se adensa ainda mais quando a trama mergulha em um delírio coletivo. A sequência em que os vampiros tentam cooptar os personagens para uma dança ritual é ao mesmo tempo estilizada e aterradora. Coogler não economiza nos símbolos: o longa se abre à psicodelia do funk, ao groove do hip hop, criando uma linha do tempo musical que liga ado, presente e futuro da arte negra. Ambicioso? Sim. Mas é justamente nessa ousadia que reside sua grandeza.
Michael B. Jordan, interpretando dois lados da mesma moeda, entrega uma das performances mais silenciosamente expressivas de sua carreira. Stack e Smoke se distinguem não pelos figurinos, mas pelas hesitações, olhares e intenções não verbalizadas. Um é o fogo que se esconde; o outro, o gelo que finge estar derretendo. A relação entre os irmãos move o filme com tensão e ternura.
- Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
- Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
- Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
- Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures
Conclusão
No fim, Pecadores não é apenas um filme de vampiros — é uma elegia à sobrevivência, um épico de resistência cultural disfarçado de blockbuster. Ryan Coogler válida que o cinema de gênero pode ser espaço de memória, crítica e beleza. E se há algum pecado aqui, talvez seja o de sonhar alto demais — mas, convenhamos, poucos sonham e pecam tão bem quanto ele.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Ryan Coogler;
Roteiro: Ryan Coogler;
Elenco: Michael B. Jordan, Hailee Steinfeld, Miles Caton, Jack O’Connell, Wunmi Mosaku, Jayme Lawson, Omar Miller, Li Jun Li, Delroy Lindo;
Gênero: Terror;
Duração: 138 minutos;
Distribuição: Warner Bros. Pictures;
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z