O relógio marcava quase 3h30 da madrugada na Europa quando Carlo Ancelotti, entre um gole de café e um bocejo inevitável, tentava acompanhar pela televisão o jogo de Neymar pelo Santos, nesta quinta-feira (22). Era a volta do camisa 10, a estrela que o técnico italiano verá de perto em breve, como comandante da Seleção Brasileira. Mas, apesar do pequeno brilho individual e da movimentação intensa nos 25 minutos em que esteve em campo, nem ele conseguiu evitar o vexame: eliminação na Copa do Brasil para o CRB, da Série B.
A cena é simbólica. Um técnico multicampeão europeu, escalado para recuperar o prestígio da seleção pentacampeã do mundo, assiste ao time que já foi o maior do planeta — o Santos de Pelé, bicampeão mundial, celeiro de craques — naufragar diante de um adversário infinitamente menor. E mais: naufragar com Neymar em campo.
A pergunta que se impõe é simples e incômoda: até quando as grandes instituições do futebol brasileiro viverão apenas da memória?
O Santos é vice-lanterna do Campeonato Brasileiro. A Seleção, desfigurada e sem identidade, amarga atuações sofríveis. Ambas são gigantes pela história — não pela bola que vêm jogando. Em comum, o peso de um ado glorioso e a paralisia diante de um presente decadente.
Quando Ancelotti aceitou treinar o Brasil, não foi por amor à bandeira – tampouco apenas por dinheiro. Foi pela camisa. Pela aura. Pela mística de um país que já produziu Pelé, Garrincha, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo… Neymar. Mas a mística sozinha não mete medo em ninguém. O respeito que se impõe pelo nome precisa ser sustentado por desempenho. E não é isso que se vê, nem no Santos, nem na Seleção.
A frustração santista diante do CRB é mais que uma eliminação. É um retrato. Um espelho. Um lembrete cruel de que a camisa sozinha não vence jogo. Assim como a Seleção precisa mais que o escudo para intimidar adversários sul-americanos — como demonstra nosso desempenho nas Eliminatórias —, o Santos precisa mais do que o retorno de Neymar para sair do buraco.
E nem adianta romantizar o sofrimento com discursos emocionais. O futebol de alto nível exige projeto, comando, disciplina e talento em campo. Time grande não pode dar margem para zebra num mata-mata de dois jogos, contra um adversário pequeno. É para atropelar. Como fez o Flamengo com o Botafogo-PB, só para ficar no exemplo mais próximo.
O que temos hoje são duas instituições do futebol mundial mergulhadas na mediocridade. Uma, a Seleção Brasileira, à espera de um salvador europeu. A outra, o Santos, tentando reviver a magia de Neymar com um elenco que, até agora, não entrega sequer o básico.
Se Ancelotti assistiu à partida até o fim, é provável que tenha terminado o jogo com uma certeza: tradição é importante, mas sem futebol, ela só serve para alimentar a saudade.