Na contramão da instantaneidade das fotografias contemporâneas, com sensores digitais e cliques por segundo cada vez mais rápidos, ainda existem aqueles que se conservam com o filme fotográfico e respeitam o processo de captação da luz à moda antiga, analógica. É “escrever com a luz”, Fotografia, da maneira mais pura e original.
Eugênio Novaes, 58 anos, e Ignacio Navarro, 71, são dois amigos que, apesar de terem se adaptado à tecnologia fotográfica ao longo dos anos, mantiveram dentro de casa câmeras analógicas, filmes e ainda materiais químicos para revelar as fotos de maneira caseira, à moda tradicional. Eugênio chegou a montar um laboratório em casa para fazê-lo.
“Sempre gostei de fotografia, e tinha um material muito grande encaixotado com mais de dois mil filmes analógicos. Daí eu resolvi montar o laboratório. Eu vi que a fotografia analógica tinha sumido, mas que estava voltando devagarzinho. […] Chamei um pedreiro para adaptar e fazer uma ligação com a caixa d’água para montar a bancada para revelar”, afirmou.

O laboratório como está montado atualmente tem aproximadamente 10 anos. Um espaço onde a boa parte do tempo revivendo memórias – com livros de fotografias, fotos históricas da família e filmes analógicos tanto antigos quanto recentes. “Aqui não era para ser um laboratório. Era apenas para guardar meus negativos de uma agência que eu tinha. Era um cantinho meu de fotografia onde guardava alguns arquivos, alguns livros, revistas de fotografia, e acabou virando um laboratório”, contou.
Há mais de 45 anos em contato com a fotografia analógica, o interesse por esta forma de arte iniciou em 1978, com 12 anos de idade, mas não surgiu espontaneamente. O avô de Eugênio, no começo dos anos 1930, já fotografava com uma antiga câmera da marca Agfa, modelo 120, sanfonada, com a qual começou a fazer os primeiros registros.
Para aprender, ele fez um curso por correspondência, cujo livro guarda até hoje. As páginas que chegaram por correio até Taguatinga, onde morava, já amareladas pelo tempo, foram mantidas dentro do acervo do fotógrafo.

“Meu avô era coronel, fotógrafo e foi prefeito da minha cidade natal, Jacobina, na Bahia. Essa câmera ou para minha mãe e guardo ela até hoje, da década de 30”, disse. “Eu tenho vários negativos de quando eu comecei a aprender, eu não tinha nem tanque de revelação. Revelava na mão, na banheira e no escuro com uma luz esverdeada”, acrescentou.
O amor pela fotografia virou profissão. Eugênio foi fotojornalista por longos anos, ando a maior parte da trajetória no Correio Braziliense. Atualmente, é fotógrafo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional.
Os planos para o futuro são de transportar o laboratório para um outro local comercial e montar um curso para quem se interessa pela fotografia analógica. O espaço será, para além do ensino e da revelação de negativos, um ambiente para reunir outros amantes da Fotografia.
Hobby profissional
Já Ignacio começou a fotografar em 1965, aos 12 anos, com uma câmera modelo Brownie, produzida pela Kodak, vinda com uma prima que trouxe dos Estados Unidos para ele. A câmera sumiu, mas seu pai lhe comprou uma outra máquina fotográfica modelo Kapsa, que ele também possui até hoje.
“Essa eu usei dos 12 até os 18. Saía com ela em todas as férias. Mandava revelar porque ainda não tinha laboratório. Só fui ter mesmo em 1973, quando tinha 20 anos e vim para Brasília [de Belo Horizonte, Minas Gerais]”, disse. O primeiro laboratório foi montado dentro de um guarda-roupas não utilizado. “Eu fechava todas as janelas do quarto, ampliava e revelava nas gavetas embaixo.”
Por onde ou e morou, levou a paixão consigo. Para toda casa onde se mudava, procurava o quarto mais escuro e escondido – normalmente os que eram utilizados por empregadas – para montar um pequeno laboratório e continuar revelando as fotografias analógicas.
Para ele, a fotografia também virou profissão na Fundação Banco do Brasil. Ele e outros colegas que se interessavam pelo audiovisual e a fotografia montaram um núcleo de fotografia e uma TV executiva na época do governo Collor. “Viajei o Brasil todo fotografando os eventos do banco”, contou. De lá, saíram grandes nomes da produção de foto e vídeo no mundo, como Ítalo Cajueiro, o primeiro brasileiro a ganhar o prêmio do Festival Internacional de Animação do Brasil, o Anima Mundi. “Para mim, lá foi uma escola”, contou.
Nostalgia
Para ambos, o sentimento ao revelar as fotos ainda hoje é de nostalgia. Os amigos contam que, dentro do laboratório, é o momento em que se concentram em apenas uma coisa: fotografia. É quando conseguem estão introspectivos, refletindo sobre o que registraram e com memórias de muitas outras revelações ao longo da vida. E não pretendem parar.

Precursora e mãe de toda arte visual criada a partir da captação da luz, independentemente da forma como foi capturada, a Fotografia, ainda que de formas diferentes, permanece íntegra ao seu papel inicial de registro. Nas palavras de Roland Barthes, “a Fotografia não fala (forçosamente) daquilo que não é mais, mas apenas e com certeza daquilo que foi”.
SAIBA MAIS
Os processos de revelação de uma fotografia são diversos, com diferentes técnicas.
- Dentro de um ambiente escuro, com quase nenhuma incidência luminosa, o processo de revelação de fotografia mais tradicional acontece em seis etapas principais. São elas:
- Revelação: em que os negativos são colocados dentro de uma espécie de tanque com uma mistura química chamada de revelador, que irá fazer com que a foto “apareça”.
- Interrupção: o primeiro processo é interrompido ao se mergulhar os registros no segundo tanque, com outra mistura química. Nele, o processo de escurecimento da foto, iniciado na primeira etapa, continuaria até “queimar” a foto por completo.
- Fixação: Para evitar que o negativo continue a ser queimado com a incidência solar, é preciso mergulhar o material neste terceiro tanque, fixando assim a imagem sem problemas futuros com os registros.
- Lavagem: Na quarta etapa, as fotos precisam ser lavadas com água corrente por alguns minutos para limpar todo o restante de químicos presentes nos processos anteriores. Esse processo é importante para prolongar a vida útil do negativo e garantir uma boa qualidade do material.
- Ampliação: Com o negativo preparado, é preciso “positivar” o material original, transferindo a imagem para outro papel sensível à luz, maior que o formato do rolo fotográfico. Com um projetor específico para este processo de ampliação, a imagem vai sendo ada para a outra folha, de cima para baixo.
- Secagem: Depois da ampliação, a folha que recebeu a incidência luminosa para “positivar” e ampliar a imagem precisa ar pelo mesmo processo químico que o negativo ou. Após isso, ele a para a secagem, quando as fotografias são penduradas em um varal, finalizando o processo de revelação fotográfica.