SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Enquanto a indústria da moda promove revezes criativos e fusões bilionárias, pautas como inclusão e sustentabilidade são soterradas por rumores, especulações e um retorno disfarçado ao conservadorismo.
Como desviar o olhar para a própria moda? Basta sugerir uma possível troca na direção criativa. Esse movimento, muito mais palatável ao mercado do que qualquer ruptura estrutural, tem sido uma cortina de fumaça para encobrir transformações que exigiriam desconforto, reposicionamento e tempo, especialmente em um cenário de resgate da magreza extrema como padrão estético.
Nas arelas de outono-inverno deste ano, esse fenômeno não deveria ter ado tão despercebido. Dos 198 desfiles e apresentações, apenas 2% dos manequins eram de tamanho médio e 0,3% plus size, segundo levantamento do The New York Times. Até mesmo a Chanel, que em temporadas anteriores apostava em nomes fora do padrão -como Jill Kortleve-, a deixou de fora do casting, que apresentou 71 looks.
O último ano confirmou essa tendência -rumores costumam ecoar mais alto do que compromissos assumidos em frente aos refletores. As conversas invariavelmente desaguam nas redes sociais e rompem a bolha do setor. Em suma, estilistas ainda no cargo são tratados como cartas fora do baralho, enquanto seus sucessores já circulam como verdades oficiosas. A antecipação vale mais que o anúncio oficial.
Um exemplo é o triângulo formado por Jonathan Anderson, Maria Grazia Chiuri e Kim Jones, que experimentaram o sabor dessa incerteza. Os rumores sobre a ida de Anderson para a Dior circulam há meses. Mas, antes disso, era preciso que deixasse a Loewe, o que aconteceu em março, após 11 anos na casa.
Uma semana depois, Jack McCollough e Lazaro Hernandez, da Proenza Schouler, foram anunciados como seus sucessores. Ambos haviam comunicado, em janeiro, a saída da grife que fundaram em 2002 -e que conquistou destaque no mercado americano equilibrando ousadia e minimalismo.
Na Dior, a ansiedade em relação ao futuro ofusca o presente. Após a saída de Kim Jones do comando da linha masculina, Maria Grazia Chiuri é o nome seguinte no tabuleiro de especulações. Ainda à frente da maison, ela apresentará sua coleção de pré-outono no Templo To-ji, em Kyoto, na próxima terça-feira (15).
Mas os indícios de uma possível despedida -e eventual ida para a Fendi- já pairam sobre seus desfiles desde o final do ano ado. Em janeiro, no desfile de alta-costura, as críticas recaíram sobre a repetição estética, o desânimo das propostas e leituras apressadas que rotularam a coleção como antiquada. Tudo isso deixou a construção minuciosa das peças à sombra de um futuro incerto.
A resposta de Chiuri, elegante e à altura de sua trajetória, aparece no documentário “Her Dior”, disponível no YouTube. Nele, a estilista afirma que “cada um dos seus esboços vai reiterar seu gosto pessoal dentro das interpretações dos arquivos da maison”. A grife não se manifestou diante das especulações.
Na Balenciaga, a saída de Demna Gvasalia também foi marcada por expectativa e silêncio. Sob sua liderança, a grife registrou crescimento expressivo de 2017 a 2021, mas teve sua imagem profundamente arranhada após a polêmica campanha de fim de ano de 2022, que gerou boicotes.
Agora, com o retorno à temporada de alta-costura, a busca por um novo nome movimenta o mercado. John Galliano, cuja excentricidade ganhou novo fôlego após uma década à frente da Margiela, e Pierpaolo Piccioli, que saiu da Valentino com o prestígio de uma elegância consistente, surgem como favoritos para esse novo ciclo.
Enquanto isso, Gvasalia foi anunciado, em 13 de março, como o novo diretor criativo da Gucci. A nomeação surpreendeu -não apenas por contrariar as apostas em Hedi Slimane, mas por acontecer em um momento de instabilidade da marca. Desde a saída de Alessandro Michele, em 2022, a Gucci luta para manter o fôlego criativo e comercial.
A gestão de Sabato De Sarno, que durou dois anos, não correspondeu às expectativas: as vendas do grupo Kering caíram cerca de 20% no último trimestre de 2024. Slimane, ex-Celine e conhecido por dobrar a receita da marca sa para € 2,5 bilhões, era considerado uma aposta segura. Por ora, segue fora do circuito, dividindo-se entre Milão e Los Angeles -aguardando que seu nome volte a circular nos bastidores.
Entre as próximas movimentações aguardadas está a possibilidade de o grupo Prada adquirir a Versace -grife pertencente, desde 2018, ao conglomerado americano Capri Holdings. Segundo o Corriere della Sera, o plano de trazer o controle da marca de volta ao solo milanês estaria em estágio avançado, após ter recebido sinal verde de consultores e advogados da Prada há cerca de uma semana.
O desfecho, no entanto, pode ser outro. O tarifaço de Donald Trump pode influenciar o valor da aquisição -estimado em cerca de US$ 1 bilhão, abaixo dos US$ 1,87 bilhão pagos pela atual proprietária. Mesmo que a Versace não se junte ao rebanho da Prada, que já adquiriu empresas menores, como a Church’s e a Car Shoe, os sinais de demarcação de território por parte da marca já movimentam o mercado em um cenário que se mostra vulnerável.
A dança das cadeiras continua. Assim que foi anunciada a saída de Donatella Versace da direção criativa -cargo que assumiu em 1997, após o assassinato do irmão e fundador da grife, Gianni- para se tornar uma espécie de embaixadora-chefe da etiqueta, um nome inesperado ganhou os holofotes: Dario Vitale, ex-diretor de design da Miu Miu. Uma transição estética entre opostos: da excêntrica, eclética e intelectual para a opulenta e sensual.
Mesmo que as opções entre estilistas à deriva não parecessem à altura do maximalismo da Versace, a escolha de Vitale para interpretar os códigos da casa em desejo -tal qual fez ao lado de Miuccia Prada durante 15 anos- parece improvável se não estiver atrelada às possíveis negociações.
É um ciclo que se retroalimenta. Quanto mais incerteza, mais especulação e engajamento. À sombra, ficam as mudanças que pareciam prontas para transformar o mercado. Por sorte, no Brasil, a moda tem se mostrado independente desse movimento internacional e segue suas próprias regras. O que causa desalento, no entanto, é a retirada furtiva de discussões em âmbito global.