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(in) Formação

O vírus da política

“Fica todo mundo olhando só para o próprio umbigo. Politizando o que não é para politizar.” Diz Ibanes Rocha

Rudolfo Lago

27/03/2020 8h55

Há alguns dias, o governador Ibaneis Rocha, vendo o rumo que já vinha tomando a discussão sobre o novo coronavírus envolvendo o presidente Jair Bolsonaro e os governadores, especialmente o governador de São Paulo, João Doria, desabafou, irritado, com um interlocutor:

“Fica todo mundo olhando só para o próprio umbigo. Politizando o que não é para politizar”.

Essa é a chave para explicar por que Ibaneis resolveu não participar da reunião de todos os demais governadores com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nas últimas horas, desde o arriscadíssimo pronunciamento de Bolsonaro na televisão, sugerindo às pessoas que flexibilizassem o confinamento e voltassem ao trabalho para evitar um desastre econômico, o debate em torno da covid-19 foi deixando de ser um debate médico-sanitário para virar um debate político-eleitoral.

O governador do DF optou por não ser mais um no retrato dessa disputa que, no momento, em nada ajuda na prática a contenção da contaminação pelo coronavírus. Ao contrário, só expõe o mundo das autoridades à contaminação por outro bichinho: o vírus da política, aquele que, desde o célebre poema escrito no século 19 por Machado de Assis, a gente sabe que é transmitido pela mosca azul.

Não que Doria ou Rodrigo Maia a essa altura sejam os únicos responsáveis por essa politização do tema. Na verdade, quem começou com isso foi Bolsonaro. Ele é que, sentindo ficar numa posição coadjuvante nas ações para evitar a pandemia, optou por essa estratégia de fazer um discurso na contramão de todos os demais. Sua hesitação e inação levou ao protagonismo dos governadores e de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Não por acaso, seu pronunciamento aconteceu depois da divulgação da pesquisa Datafolha que mostrava maior grau de confiança da população nas ações dos chefes estaduais e do ministro da Saúde.

Nessa linha, na prática, com a ausência ou não de Ibaneis, ficou evidente o isolamento institucional do presidente da República. Ele resolveu ir na direção oposta a de todos os demais. Faz uma aposta arriscada de longo prazo. E mantém o protagonismo do discurso junto às suas legiões mais fieis. Seja ou não diferente a sua convicção, o fato é que se Bolsonaro seguisse na linha do confinamento máximo das pessoas para evitar o contágio, ele, a essa altura, ficaria a reboque de quem saiu na frente com essas medidas. E o governador do Distrito Federal foi o primeiro a fazer isso.

No caso de Ibaneis, na prática, não ter ido à reunião dos governadores com Maia em nada muda as suas ações. Ibanei, como dissemos, foi o pioneiro na adoção das medidas de restrição para evitar o contágio. Foi o primeiro a fechar escolas e lojas. Não teria sentido mudar de opinião quanto a isso agora. Pelo contrário, é possível que, ao final do decreto, que acaba em 4 de abril, ele acabe estendendo novamente as medidas de restrição, caso fique claro, que haja necessidade. E, ainda que os números da contaminação diminuam, a necessidade de restrição provavelmente ainda irá permanecer.

Haverá, é claro, um momento de flexibilização. Mas ele só poderá vir a ser adotado quando houver um mapa preciso mostrando que já há maior segurança para a volta da nossa normalidade, para a volta da nossa rotina anterior. Enquanto isso, a regra seguirá sendo: “Fique em casa”.

Em outra linha, foi o Governo do Distrito Federal que pediu à Justiça que exigisse do Hospital das Forças Armadas (HFA) a entrega da lista de nomes das pessoas que ali fizeram exames e testaram positivo para o coronavírus. E é estranho que o hospital informe que houve 17 testes positivos, mas tenha omitido da relaão o nome de duas pessoas. Bolsonaro e sua mulher, Michelle, ali fizeram seus testes. Se esses são os dois nomes omitidos, há aí mais uma saia justa provocada pelo GDF que Bolsonaro deveria explicar à sociedade.

Ou seja: na prática, a linha de Ibaneis neste momento vai no sentido oposto à sugerida por Bolsonaro. E, da mesma forma, o governador do DF não se furta a situações de confronto quando julga necessárias.

Quanto a, porém, discutir agora a contaminação pelo vírus da política e não a contaminação pelo coronavírus, aí, já é outra história…

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