Os nove membros do Comitê de Política Monetária (Copom) estão dispostos a fazer tudo o que for necessário para garantir a convergência da inflação ao centro da meta, inclusive voltar a aumentar a taxa Selic, disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
“Todos os diretores têm adotado esse discurso, que é basicamente o que escrevemos no comunicado”, ele disse, em um evento organizado pelo Barclays, em São Paulo. “Não estamos dando um guidance, mas faremos o que for necessário para levar a inflação à meta – e, se aumentar os juros for necessário, nós aumentaremos.”
Esse discurso, ele explicou, foi adotado por causa do diagnóstico de que parte da desancoragem das expectativas respondia à falta de credibilidade sobre a política monetária no futuro, que o BC decidiu endereçar. Por isso, a autoridade tentou começar a comunicar-se de maneira mais “coerente” e demonstrar unanimidade, afirmou.
“Acho que as pessoas agora estão entendendo que, independentemente de quem esteja à frente do BC, de quem sejam os diretores, a direção está definida e nós temos uma meta. A meta é determinada pelo governo, não por nós. E nós faremos o que for necessário para cumprir a meta”, ele disse.
Comunicação e acompanhamento de dados
O presidente do Banco Central explicou que a decisão de classificar a projeção do Copom para a inflação textualmente como “acima da meta” reflete o aumento da volatilidade no cenário. “A questão é que queremos comunicar algo que, quando você olha em termos de como vamos concatenar as ideias, faça sentido para as pessoas”, afirmou. “Decidimos dizer que não temos um guidance no momento, está aberto.”
As declarações vieram em resposta a um questionamento do economista-chefe para o Brasil do Barclays, Roberto Secemski, que perguntou sobre a razão pela qual o BC teria decidido classificar a sua projeção para a inflação do primeiro trimestre de 2026, de 3,2% no cenário alternativo, como “acima da meta.”
O economista lembrou que, antes, o mercado debatia qual desvio em relação ao centro da meta, de 3%, o Copom estaria disposto a tolerar. O próprio comitê tem mencionado nos comunicados que a sua estratégia é de convergência da inflação para “o redor” do alvo, o que normalmente era visto pelo mercado como 0,2 ponto porcentual para mais ou para menos.
“Nós temos uma inflação e expectativas desancorando, e dizer se um número está ao redor com 0,1, 0,2 ponto, quando olhamos para 18 meses, nós não temos esse nível de precisão”, disse Campos Neto, lembrando que a última reunião do Copom foi marcada por uma quebra de sincronia.
O presidente do BC acrescentou que houve muitos efeitos de volatilidade na última reunião, alguns deles relacionados a prêmios de risco, o que explica em parte a razão pela qual a autoridade monetária decidiu não intervir no câmbio. “Não queríamos contaminar o mercado de juros fazendo uma intervenção quando vimos que ela estava mais ou menos precificando um risco maior”, ele disse.
Segundo Campos Neto, houve alguma descompressão nesse prêmio de risco agora.
Dificuldade gerada por desaceleração global
O presidente do Banco Central avaliou ainda que se houver uma desaceleração global agora, a barra para as autoridades monetárias intervirem seria alta em termos da habilidade dos governos para ajudar a mitigar a recessão. Durante o Barclays Day, ele voltou a enfatizar, no entanto, que o BC brasileiro não vê a uma recessão muito séria à frente.
Campos Neto salientou que os gastos fiscais têm aumentado muito no mundo e que isso forma um cenário de problemas com dívidas grandes e com juros também maiores.
“A primeira coisa que vemos é que o duration diminuiu”, disse ele, citando que há muitos mais vencimentos nos próximos dois ou três anos do que havia nos últimos 15 anos, principalmente nos países de baixa renda, e com um custo médio de rolagem muito mais alto. Isso é algo, de acordo com ele, que os BCs estão olhando.
Relação entre juro real baixo e percepção fiscal
A taxa real de juros do Brasil é alta na comparação com a de outros países, mas tem caído continuamente ao longo dos últimos ciclos, especialmente quando há reformas que melhoram a percepção do mercado sobre a política fiscal, disse Campos Neto
“Sempre que tivemos ou fomos capazes de trabalhar com uma taxa real menor, normalmente isso está associado a períodos em que as pessoas têm a percepção de que o fiscal estava melhor”, ele afirmou.
Campos Neto citou como exemplos desses momentos a aprovação do teto de gastos e a discussão sobre o novo arcabouço fiscal, no início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele afirmou que não é papel do BC falar de política fiscal, mas lembrou que ela faz parte do tripé macroeconômico.
O presidente do BC lembrou que ainda há uma diferença grande entre as projeções do Tesouro Nacional e dos analistas do mercado para a política fiscal. “Achamos que o governo está fazendo um grande esforço para melhorar os números, e o mercado está questionando a parte estrutural do arcabouço”, disse.
Pouco antes, ele disse que, embora o mercado tenha esperado um repique da taxa de desemprego a cada momento nos últimos meses, ela continua em tendência de queda.
Sem consenso sobre balanço assimétrico
O presidente do Banco Central evitou responder se está entre os membros do Copom que consideram o balanço de riscos para a inflação assimétrico. “Nós não abrimos a avaliação de todos os membros de board porque, se fizermos isso, imagina mapear isso em tantas dimensões. E às vezes você pode ter uma opinião sobre uma dimensão, mas é conectada a outra. E a outra tem um peso do outro lado. Então eu não vou poder lhe dizer isso, mas eu provavelmente estava no grupo que pensava que tínhamos muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo”, desconversou, ao ser questionado durante o Barclays Day, promovido pelo Banco Barclays, em São Paulo.
Campos Neto continuou o raciocínio dizendo que o tempo seria importante para uma nova avaliação do grupo. “Na minha opinião, há incertezas em ambos os lados. Nós estávamos muito preocupados com o fato de que o que nós pensávamos localmente não estava realmente e totalmente representado pelos dados correntes”, relatou.
Há um elemento do prêmio de risco que foi adicionado a isso, de acordo com ele. “Nós pensávamos que o risco tinha duas dimensões: fiscal e monetária. Nós pensávamos que o monetário estava sob nosso controle”, disse, acrescentando que o grupo acreditava ser possível reduzir esse prêmio. “É isso o que estamos tentando fazer. E nós precisamos esperar para ver o que será o efeito disso”, afirmou.
O Copom também delineou, segundo Campos Neto, as condições que são necessárias para que não haja necessidade de uma elevação dos juros. “Eu acho que mostramos isso na comunicação. Nós dissemos que vemos riscos de ambos os lados. Nós vemos mais riscos agora em números no lado de cima. Nós não explicamos especificamente que era assimétrico, porque isso não era um consenso. Algumas pessoas pensaram que era, mas outras pessoas pensaram que não era”, descreveu.
O presidente do BC acrescentou que, no Copom, a avaliação era de que muitos dados, como inflação e juro longo, não estavam em sincronia com dados correntes. “E nós decidimos não explicar especificamente as futuras ações a qualquer condição, porque isso colocava mais volatilidade no sistema”, argumentou, reforçando que a próxima decisão será “data dependent’.
Estadão Conteúdo