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As Big Techs no poder

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12/02/2025 5h51

Atualizada 17/02/2025 14h56

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Foto: AFP

“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem.” Atribuída a Lenin, a frase bem traduz a rapidez com que a história se impõe. Desde a posse de Donald Trump, a história não avança: atropela. Entre o turbilhão de promessas de campanha — tarifas generalizadas, guerra ao identitarismo, anistia para os invasores do Capitólio — surgem rumos imprevistos.

Trump ensaia delírios expansionistas: do Canadá ao Panamá, chegando à Groenlândia. Uma proposta extrema para Gaza, tão mirabolante que desafia qualquer lógica estratégica. Sem falar no poder delegado a Elon Musk e seu plano de drasticamente redesenhar a burocracia governamental, como a tentar substituir funcionários por algoritmos.

É certo que muitas das iniciativas do governo ainda arão por contestações. O Judiciário tem imposto limites às medidas mais controversas. Afinal, por mais incontestável que tenha sido a vitória de Trump, um sistema institucional disciplinado por freios e contrapesos dispõe de mecanismos para resistir a inclinações autocráticas — pois, como advertia James Madison, um dos arquitetos da república americana: “estadistas esclarecidos nem sempre estarão no comando.”

Em seu ímpeto incendiário, Trump governa como se a maioria eleitoral, sempre ageira, lhe desse carta branca para governar sem limites. Encarnando o moderno Príncipe, quer tudo ao mesmo tempo. Sabe, com Maquiavel, que “é melhor ser temido do que amado, se não se pode ser ambos” — e que “a crueldade deve ser usada de uma só vez, para que, se necessária, seja logo esquecida.” Entretanto, seu tempo pode se revelar curto: não é aposta certa que a maioria republicana no Congresso sobreviverá às eleições intermediárias de 2026.

A verdade é que, em meio de tanto ruído e factóides, um fato salta aos olhos: um forte alinhamento do Vale do Silício com Trump, prenunciado na campanha e agora explícito. Aquele ecossistema, antes mais ligado ao Partido Democrata por laços de afinidade cultural e econômica, agora se alinha ao projeto “America First”. O que explica essa mudança?

Marc Andreesen, muito influente no Vale do Silício, atribui sua guinada à hostilidade democrata às Big Techs. Para ele, a atitude do governo Biden ficou evidente na abordagem da inteligência artificial (IA). Em reuniões com altos dirigentes democratas, ouviu que, num segundo mandato, a IA enfrentaria regulação mais rígida.

A aproximação com um governo favorável à desregulamentação ocorre em conjuntura de investimentos recordes no setor. Rejeitam regulação estatal, mas exigem proteção contra a concorrência chinesa — e veem na indústria de defesa um campo especialmente promissor para a IA. Não por acaso, o Google acaba de remover o veto ao uso de IA para armamentos.

Esse realinhamento também reflete um choque geracional. Para Andreesen e outros empreendedores-fundadores, a geração seguinte de colaboradores e técnicos, formada em universidades progressistas e alinhada a pautas como clima, diversidade e atenta aos riscos da tecnologia, teria desviado as Big Techs de sua vocação original, de caráter mais anômico. No Vale do Silício, o apoio a Trump já não é apenas pragmatismo. É crescentemente ideológico.

João Marcelo Chiabai da Fonseca, advogado, consultor e mestre em Políticas Públicas pela Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins

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