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Opinião

Páscoa italiana: significado de tradição e fé

Para mim, a Páscoa italiana é o retrato de uma cultura que honra suas raízes com orgulho e emoção

Redação Jornal de Brasília

18/04/2025 15h16

Foto: AFP

Por Renata Bueno*

Conhecida como Pasqua, na Itália essa celebração vai muito além de uma data religiosa no calendário, é uma imersão profunda em costumes antigos, sabores marcantes e manifestações de fé que emocionam profundamente.

Suas comemorações não se encerram no Domingo de Páscoa. Elas se estendem à segunda-feira seguinte, chamada Pasquetta (Segunda-feira do Anjo), quando os italianos aproveitam o feriado ao ar livre, em clima de leveza. Famílias e amigos se reúnem para piqueniques, eios em parques ou no interior, partilhando refeições e alegria. É um momento mais descontraído, que contrasta de forma tocante com a solenidade espiritual do domingo anterior.

Na Itália, comer é um ato carregado de significado, e na Páscoa, essa conexão com a cultura e a memória se intensifica. Um dos primeiros sabores que me encantou foi o da Colomba Pasquale: um pão doce em formato de pomba, delicadamente perfumado, coberto com amêndoas e açúcar crocante. Descobri que sua origem remonta a uma antiga lenda, na qual um padeiro lombardo teria oferecido a colomba como sinal de paz a um rei inimigo.

Degustar esse doce foi como saborear um pedaço da alma italiana.

Outro destaque é o uovo di Pasqua — ovos de chocolate que guardam surpresas dentro. Mas ao contrário dos que conhecemos no Brasil, na Itália eles podem esconder desde mimos refinados até pequenas joias. Cada ovo é um gesto de afeto e surpresa cuidadosamente planejado.

As receitas típicas variam bastante de região para região. Na Ligúria, provei a Torta Pasqualina, recheada com espinafre e ricota.

Em Roma, o Abbacchio alla Romana — cordeiro assado com ervas — me conquistou com sua maciez e sabor intenso.

Já em Nápoles, o protagonista foi o Casatiello, um pão salgado recheado de embutidos e queijo, com ovos inteiros assados na massa.

Cada prato parecia carregar em si um ritual de afeto e memória coletiva transmitida de geração em geração. A religiosidade italiana durante a Páscoa me marcou de forma profunda.

Em Roma, tive o privilégio de acompanhar a missa celebrada pelo Papa na Praça São Pedro. O clima de introspecção, as preces coletivas, o silêncio reverente… tudo ali me tocou de forma
arrebatadora.

Em Florença, assisti ao Scoppio del Carro, uma celebração histórica em que fogos de artifício são disparados de um carro alegórico em frente à catedral. Uma mistura espetacular de fé, tradição e esperança de prosperidade para o ano novo.

No sul da Itália, as procissões da Semana Santa são verdadeiros dramas encenados nas ruas. Em cidades como Enna (Sicília) e Chieti (Abruzos), acompanhei cortejos impressionantes, onde imagens sacras são conduzidas por moradores vestidos com trajes históricos. Muitos caminham descalços ou acorrentados, como forma de penitência. As procissões, que podem durar horas e atravessar a noite, são acompanhadas por cantos fúnebres e músicas sacras — um mergulho emocional em um fervor espiritual que permanece vivo há séculos. Descobri também que, para muitos italianos, comer ovos na Páscoa é sinal de fertilidade e boa sorte. E se chover na Pasquetta, acreditam que a colheita daquele ano será abundante.

Ouvi essas histórias enquanto partilhava um almoço com uma família local — entre risadas, brindes e a troca de ovos pintados à mão, desejando boa sorte uns aos outros. Simples e
inesquecível.

Para mim, a Páscoa italiana é o retrato de uma cultura que honra suas raízes com orgulho e emoção. É bonito perceber como essa festa conecta os italianos que vivem fora do país com suas origens, reforçando vínculos familiares, memórias e tradições. A Páscoa na Itália vai além de um simples feriado — é um momento de reconexão, introspecção e pertencimento.

Em cada prato servido, em cada gesto ritual, em cada expressão de fé, senti a intensidade de uma cultura que celebra a vida com profundidade, beleza e entrega.

Se um dia você tiver a chance de vivenciar a Páscoa na Itália, não hesite. É mais do que uma viagem. É um encontro com o significado mais autêntico da palavra “tradição”.

Buona Pasqua!

Renata Bueno é uma parlamentar ítalo brasileira nascida em 1979 em Brasília, DF, Brasil. Conhecida por seu envolvimento na política e na defesa dos direitos dos descendentes de italianos no Brasil. Renata Bueno foi eleita deputada federal em 2010, sendo a primeira mulher eleita pelo Partido Socialista Italiano (PSI) fora da Itália. Sua atuação política tem sido focada em temas relacionados à cidadania italiana, imigração, e fortalecimento dos laços entre Brasil e Itália. Ela é presidente da Associação pela Cidadania Italiana no Brasil e tem trabalhado para facilitar o processo de reconhecimento da cidadania italiana para descendentes de italianos no país. Além de parlamentar, Renata é advogada e empresária, com o Instituto Cidadania Italiana e Mozzarellart.

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