Às vezes, a loucura é um ato de coragem. Nos meus 20 e poucos anos eu só queria fazer o que ainda não havia feito. Achava que não teria tempo e nem seria capaz de ir além. Ainda não havia Rita Lee para mim. Andava meio desligado, mas sempre tive um objetivo de estimação. Partilhar momentos e brindar a vida eram os mais celebrados. Como não existiam GPS para se alcançar bons momentos, as ondas do rádio e a brisa da sorveteria da praça normalmente me levavam à turma da esquina, com a qual degustei boas ideias e melhores histórias, assim como dividi grandes mesas de experiências. Em todas pairava a incerteza da luz no fim do túnel.
Época de nuvens negras no Brasil. No entanto, se a tristeza me desse limões, pedia açúcar, gelo e fazia uma caipirinha. Embora não tenham sido um oásis de alegria, coerência e satisfação, meus 20 e poucos anos foram plenos de criatividade. Bons amigos, boas lembranças e memórias inesquecíveis. Vigiado e controlado na rua, na chuva e na fazenda, tinha certeza de que, acima de todas as filosofias, ideologias e controvérsias, encontraria poetas malandros e políticos caducos que viviam para o bem. Os encontrei pichando muros com a célebre frase: “Abaixo a ditadura”.
A verdade é que, nesses meus 20 e poucos anos, o tempo andou mexendo com a gente. Mesmo assim, não me desfiz dos meus planos de vida. Aquela Linda Juventude que habitava o Planeta Sonho não existe mais. Eis a razão pela qual abandonei minhas calças vermelhas e meu casaco de general. Não preciso mais de tanto dinheiro, pois, além de apreciador da natureza, hoje é só comer, beber, dormir e não pagar. Sem controlar minha maluquez, usei de toda a lucidez para descobrir que no mundo globalizado há os bêbados e os de bom coração. Levei tempo para perceber que, no fundo, os dois perfis habitam o mesmo corpo.
Nos meus 20 poucos anos, os homens públicos já tinham preço. Sorte minha é que ainda não havia aflorado a descontrolada obsessão partidária, também sinônimo de fanatismo por políticos de estimação. Hoje, nem preciso que me digam, a política é uma arma quente nas mãos de Joãos e de Marias. Esses buscam apenas abrir suas asas furiosas sobre a cabeça dos que querem somente ouvir sua própria voz nos rádios e nos alto falantes.
É algo semelhante à saga de fundamentalistas que tentam nos ensinar o canto a ser cantado nos louvores a seus mitos fabricados com pães sem miolo. Dispostos a assumir a propriedade das palavras, a voz do que acham novo, esse povo deixou de ser um caso comum de trânsito. Com o olhar lacrimoso, perdem o sono com a eleição que deixaram de ganhar e não dormem pensando na que não irão disputar. Como dizia o cearense Belchior, é o mal que a força sempre faz. Enquanto isso, “hoje eu canto muito mais”.
Armando Cardoso, jornalista